June 14, 2017 - Catarina Branco é uma artista visual que vive e trabalha na ilha de São Miguel, Açores.

As told to T. Cole Rachel, 1558 words.

Tags: Art, Beginnings, Process, Inspiration, Independence.

Catarina Branco em encontrar o meio perfeito para o seu trabalho

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Trabalhas exclusivamente com papel, é uma tradição que tem raízes nos Açores?

Inicialmente, havia uma forte conexão com as técnicas de corte de papel que foram trazidas para cá pelas freiras do continente, de Lisboa. Havia uma conexão com o modo como elas trabalhavam com o papel e as representações do fantasma santo, que é algo em que eu estava interessada. Agora, estou menos interessada no espiritual e mais interessada em paisagens. Não me interessa o uso do papel só para cortar. Estou interessada no que posso fazer com o papel e no que quero dizer. Naturalmente, as minhas memórias de infância vão sempre estar presentes no trabalho—o papel foi um dos primeiros materiais que usei em criança, ligou-me às minhas raízes—mas agora estou a trabalhar num sítio novo. As paisagens são mais fortes e mais interessantes. Mais abstratas também. Não tão literais. Agora, não estou só a cortar o papel, também estou a trabalhar as três dimensões. É mais modelagem. Trabalho com o papel como se fosse pano. Pode dizer-se que estou como que obcecada com o papel. Coleciono diferentes tipos de papel de todo o mundo para trabalhar. É o material perfeito para mim.

Esses tipos de peças que faço são complicadas de cuidar. São muito diabólicas por um milhão de razões. Precisam de manutenção constante e têm de estar em locais que sejam climatizados. Vivemos numa ilha com muita humidade, o que é terrível para o papel. Mas isso é outra coisa que adoro neste trabalho—as peças são fortes e bem-feitas, mas, também são delicadas e frágeis.

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Nasceste e foste criada em São Miguel. Como é ser uma artista trabalhadora aqui?

Sim, eu nasci e fui criada no norte da ilha. É um sítio muito pequeno. A minha avó ensinou-me a trabalhar o papel, principalmente porque na altura não tínhamos muito acesso a outras coisas. As mulheres, de onde eu cresci usavam artefactos e os materiais que os pescadores poderiam trazer. Eles acabavam a fazer coisas a partir da pele do peixe e das folhas do milho. As mulheres neste local pequeno são muito criativas.

Então eu vivi com essas mulheres e aprendi a vê-las. A minha avó era alguém que colecionava muitas coisas, e as reciclava. Uma dessas coisas era o papel que vinha dos barcos que vinham dos Estados Unidos. Tínhamos família lá. Ela usava o papel para fazer todo o tipo de coisas—lençóis para as camas, capas para os candeeiros. Ela também tinha um relacionamento muito rígido com a igreja e era responsável por fazer todas as decorações para os santos que fez a partir de papel. Eu via e a observava todas estas coisas maravilhosas de perto porque não brincava com outras crianças, só brincava com adultos. Eu era filha única.

Então, a minha imaginação era muito forte. Tive de criar coisas com que brincar e inventar estas situações com que fingir. O papel era um material que sempre esteve presente na minha vida. Sempre adorei desenhar e trabalhar com o papel, mas, ainda não sabia a importância dele. Depois de ter estudado arte em Lisboa, o papel começou a ter um papel importante no meu trabalho. As disciplinas na escola de arte eram muito divididas. Para mim, nenhuma fazia sentido. Escultura, pintura, fotografia, cerâmica—para mim era tudo importante. Ainda assim, eu era de alguma forma obrigada a fazer só pinturas. Era muito difícil para mim lidar com a faculdade.

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Tive aulas de desenho que foram muito importantes. No primeiro ano desenhei o modelo numa maneira muito clássica com as proporções certas e tudo, mas era muito chato para mim. No segundo ano, comecei a rasgar o papel nas aulas de desenho. O professor exclamava, “Oh, não podes fazer isso porque estamos numa aula de desenho. Tens de conhecer tudo. Tens que saber que o papel é algo e o lápis é outra coisa.” Eu não percebia porque era muito instintivo para mim. Então comecei a desenhar com o papel, não com o lápis. Depois pensei, “Bem, preciso de outro instrumento, porque não uma tesoura? E levei tesoura para as aulas de desenho.” Aceitaram-no, mas era eu era a pessoa estranha na aula… Nunca me senti como uma estudante de artes típica.

Depois da escola de artes podia ter ficado em Lisboa, mas decidi voltar à ilha. Para mim era muito mais interessante estar na ilha e trabalhar aqui com a capacidade de viajar às vezes. Além disso, gosto de estar nos meus próprios sítios, reservada, e a trabalhar. Às vezes gosto de estar com outras pessoas, mas preciso do meu próprio espaço…, portanto voltei. Não me arrependo. Gosto muito de trabalhar e viver aqui. Fiz residências em lugares como Madrid e Brasil—principalmente lugares fora de Portugal. Mas volto sempre para cá. Preciso deste lugar para trabalhar. Percebo porque algumas pessoas sentem que precisas de estar numa grade cidade para seres um artista de sucesso, mas para mim era mais importante viver e trabalhar num sítio onde estou confortável, onde me sinto livre.

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Existe uma comunidade artística forte aqui na ilha?

Bem, eu trabalho com uma galeria aqui. Era muito importante trabalhar com a galeria porque precisamos de algum apoio. Para nós é difícil estarmos sozinhos neste mundo de artistas e arte. É difícil, porque sou muito distraída, estou sempre distraída e ocupada a fazer trabalhos novos. Preciso de alguém que me guie. Existem alguns artistas que estão a trabalhar aqui. Somos poucos. Conheço um ou dois que estão a trabalhar na minha área, artes, artes clássicas, artes visuais. Não conheço muitos.

A maioria dos meus colegas parou de trabalhar. Às vezes é difícil continuar. É uma luta. Às vezes também penso que vou desistir, mas é importante demais para mim. É como comer ou ler. Não consigo viver sem trabalhar. Os artistas que eu conheço que trabalham aqui são todos mulheres. As mulheres mandam aqui.

Alguns dos jovens com quem conversei aqui em São Miguel disseram-me que tens de te afastar daqui se quiseres ganhar a vida como um artista. Como te sentes sobre isso?

Eu trabalho com a galeria aqui e também dou aulas. Tenho os dois lados. Sempre fiz o que quero porque tenho uma boa galerista. Ela não diz, “Oh tens que fazer isto ou aquilo.” Ela dá-me sempre a liberdade de trabalhar da maneira que eu escolher. Sim, ela sabe que eu tenho de vender coisas, mas preciso do espaço para fazer as coisas que quero sem preocupações sobre se se vão vender ou não. Eu dou aulas e isso dá-me o dinheiro que preciso para viver, mas também é uma coisa boa porque o meu salário não está totalmente ligado à minha criatividade. Eu quero fazer as coisas que sinto que preciso fazer sem me preocupar se são vendáveis.

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Como organizas a tua vida profissional?

É um milagre. Uma das razões pelas quais gosto de viver aqui é porque o tempo aqui é diferente. Em cinco minutos posso ir para a escola e depois de mais cinco minutos, estou em casa. Sou muito disciplinada. Acho que ensinar é muito importante porque as crianças também me dão a informação de que preciso para o meu trabalho. Acho que ensinar nos obriga a pensar e também a descrever coisas novas. É um laboratório de pensar. Mostro o meu trabalho aos meus estudantes e faço projetos com eles. Eles adoram, mas eu também adoro. É importante para mim.

Sim. Em termos do teu trabalho criativo, como defines o sucesso?

O sucesso é quando estou num diálogo perfeito com o que estou a fazer no momento. Sinto que isso é um sucesso—quando a história está a fazer sentido na minha cabeça quando estou a trabalhar. Isso não quer dizer que não é uma luta—é sempre uma luta—mas não é necessariamente uma coisa má. O meu processo é muito intuitivo. Quando me sinto feliz, normalmente significa que tenho sucesso com o que estou a fazer. O resultado final deve sempre ser como uma surpresa. Para mim é sempre uma surpresa.

Quais são as maiores lutas que experienciaste como uma artista que trabalha?

Quando eu era criança e disse ao meu pai que queria ser artista ele disse, “O que vais fazer com a tua vida? Queres viver nas ruas?” Eu disse que não, que considero isto uma profissão como qualquer outra. O meu irmão quer ser advogado, eu quero ser artista. É igual. O meu pai disse, “Mas é diferente. Advogado é uma profissão. Artista, não sei se isso é uma profissão.” Em Portugal, não é considerado uma profissão.

É algo com que luto o tempo todo, esta mentalidade. As pessoas parecem esquecer-se que a arte e a cultura são fundamentais, deveriam ser o centro de tudo. A arte e a cultura fazem o mundo girar, elas estão no núcleo de quem somos. Agora é como se essas coisas são vistas como algo de fora. Arte não é uma profissão, não é importante para a nossa vida. Isso é algo com que estás sempre a lutar como um artista, lembrar as pessoas que a arte é importante. A arte vai melhor a tua vida.

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